domingo, abril 24, 2005

De Abril


Do 24

Em África, todos os dias morriamos, em defesa daquilo a que o Estado Novo decidira chamar “Províncias Ultramarinas”.Com esta habilidade Portugal não se opunha ao fim do colonialismo; limitava-se a defender a integridade do seu território.
Gastava-se, com o esforço de guerra, uma percentagem não inferior a 45% do orçamento de estado.
Ainda havia quem só usasse sapatos para não ser incomodado pela Polícia quando ia à vila!
Nas famílias menos carenciadas equacionavam-se as várias hipóteses de conseguir que os filhos fugissem à tropa,
Nas nossas aldeias, inúmeros casamentos eram antecipados e as noivas guardavam no ventre um filho que o pai , apressadamente "deixava" antes de partir, para aprender, no medo da morte, a arte de matar.
Nas eleições, mais uma vez, a mulher nada tinha a dizer, e dos resultados, os habilidosos do costume se encarregavam .
De partidos políticos havia a ANP , nova designação da velha União Nacional. Outros não eram necessários; afinal só tínhamos que agradecer a Deus sermos tão bem governados!
Quase todas as deslocações de governantes portugueses eram assinaladas por essa Europa fora, com ruidosas manifestações de repulsa.
Conversas sobre as dificuldades do dia a dia, eram subversivas! Falar do governo, era recomendável que fosse claramente bem.
Jornais, espectáculos, o que quer que fosse, só depois da censura ou, mais recentemente, exame prévio!
Pouco cuidado à mesa do café e talvez no dia seguinte : “Oh António; estão aqui uns senhores à tua procura. Parece que querem falar contigo”.

Do 25

Para uns, o fim dessas e de tantas outras coisas.

Para outros, uns quantos irresponsáveis militares, manipulados pelo partido comunista, tentaram instaurar no País um regime ditatorial pró-soviético de que só fomos salvos graças à acção de uns quantos patriotas que contaram com o apoio de sectores mais moderados das forças armadas.

Para uns e para outros, fiquem sabendo, ainda recordo com saudade o calor de Abril !

E...”Maria, diz a esses senhores que já lá vou”
... ... ...
(Eram da comissão de festas! Estamos em 2005...)




6 comentários:

Biranta disse...

E democracia a sério, quando é que vamos ter para podermos festejar; para termos motivos de festejo?

Anónimo disse...

Por vezes, no pessimismo que nos caracteriza ignoramos ou esquecemos o caminho que se percorreu desde 1975, e foi imenso... Economicamente aproximámo-nos do nível de vida da Europa (com recuo nestes últimos 3 anos de barrosismo-santanismo), democraticamente não temos nada a invejar a ninguém e culturalmente já não somos o país provinciano que queria Salazar. O seu texto faz realçar esse percurso positivo, e bem haja por isso!

Anónimo disse...

Agradecendo a cumplicidade revelada no seu comentário e "avisando" que vai ficar "debaixo de olho", também. De imediato, nos Favoritos; logo que actualize o meu 'template', na lista de 'links'.
Abraço.

musqueteira disse...

A elevação intelectual do ser humano, está na forma como apresenta o estruturado seu discurso!Parabéns Pindérico,pela apresentação do texto e das palavras que a constroem com uma sentida emoção.

Anónimo disse...

cheguei aqui via neuralconnection -- sociocracia.
Bom texto. Muito bom texto ,aliás.
Acrescento,também todo o respeito por uma pessoa de 60 anos,o dono do blog ;sabe obviamentedo que fala porque o viveu.
No entanto como pessoa com um pouco menos de metade dessa idade tenho que dizer que ,a situação na bananal republica é do pior.
Estamos neste momento a conseguir ultrapassar a corrupção que existia antes do 25A .
O discurso "muito se fez" é o discurso zero.
O custo-beneficio , é , negativamente, a favor do que não se fez ,em detrimento do que supostamente já se fez.
Portugal 25A - 0 , bananal pantanoso - 4(ao intervalo).
o fundo continua a baixar; e não se avista.
Agora vem o senhores da comissão de festas. o problema é esse:a festa permanente que ,verdadeiramente nunca deixou de existir.(mas só para alguns).

Anónimo disse...

Gostava de possuir o dom que o caro Pindérico possui que lhe permite escrever de forma tão elegante.

Consegue ao mesmo tempo forma e conteúdo, o que não está ao alcance de muita gente.

Quanto ao conteúdo: de vez em quando é bom recordar que a actual república das bananas é um paraíso perante o Portugal de há 40 anos atrás.